Carla Daniel Peixoto participou de operação a borde de navio no Líbano
Primeira mulher a integrar uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) a bordo de um navio, a capitão de mar e guerra Carla Cristina Daniel Bastos Peixoto diz acreditar que abriu caminho para a participação de outras militares em operações semelhantes.
“Para mim foi uma grande expectativa porque fui a primeira a conseguir quebrar essa barreira de ter mulher a bordo de um navio em missão de paz. Foi meio um experimento para ver se ia dar certo. Fui sozinha, eram 263 homens e eu”, lembra Carla Daniel, que integrou a Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil, na sigla em inglês), em 2014 e 2015.
O local de trabalho da então capitão de corveta era a Fragata Constituição, que fazia patrulhamento do litoral libanês.
“É uma das missões mais antigas, e está ali no Sul do Líbano fazendo a contenção entre Líbano e Israel, que agora já voltou em convulsão, porque é mais ou menos a região onde fica localizado o Hezbollah [movimento político e paramilitar fundamentalista islâmico xiita apoiado pelo Irã]. Essa missão está lá e o quartel-general está no Sul do Líbano, mas eu ficava a bordo da fragata Constituição”, contou em entrevista à Agência Brasil.
Durante dez anos, Carla Daniel buscou a participação em uma missão de paz da ONU. Nesse período, diante de tanta expectativa, ela se preparou para a função. “Você se blinda todinha para chegar ali e cumprir a missão. Fui na qualidade de oficial de comunicação social e assistente do almirante da força-tarefa marítima.”
Durante o período em que participou da missão de paz, houve a morte de um militar da Espanha. “Eu tinha saído daquele local quando houve um ataque, mas naquele momento que permaneci foi um [período] mais estável, não se compara com o que está acontecendo agora. O Líbano é uma eterna tensão, mesmo que não esteja tendo ataque, a qualquer momento tudo pode mudar, mas as pessoas vivem felizes sempre com cautela”, observa.
A preocupação com os impactos no comércio exterior levou à necessidade de proteger o litoral libanês. “Noventa e cinco por cento do comércio exterior do Líbano é feito pelo mar. Como em anos anteriores houve um embargo de Israel, foi criada essa força-tarefa marítima para poder permitir que as transações comerciais ocorressem e, ao mesmo tempo, evitar que houvesse contrabando de armas ou qualquer outro ilícito vindo de fora”, explica, acrescentando que ainda no Líbano participou de ações cívico-sociais da ONU no Estágio de Coordenação Civil-Militar (Civil-Military Coordination Course, CIMIC, sigla em inglês).
Poder integrar uma missão no Líbano teve ainda uma questão afetiva, uma vez que Carla Daniel é bisneta de libaneses e, no período em que esteve no país, pôde estreitar o relacionamento com parentes que moram no país. “Isso me abriu muitas portas”, lembra.
Antes de Carla ser a primeira mantenedora da paz no mar, duas outras militares tinham participado de missões em terra. “Eu fui a terceira peacekeeper, mantenedora da paz da Marinha, mas a primeira a ser empregada em operações de paz no mar”, destaca. A aprovação em um concurso com extenso processo de comprovações e participação de representantes de vários países a levou para a segunda função fora do Brasil. Durante três anos, a capitão de fragata atuou no Departamento de Operações de Paz, na sede da ONU em Nova York, Estados Unidos.
Entre setembro de 2022 e outubro de 2023, desempenhou mais uma missão de paz. Carla participou da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (Minusca). Apesar de ter gostado da experiência no Líbano, essa foi chamada por ela de “cereja do meu bolo”. O interesse pelo continente também já vinha de muito tempo. “O meu desejo, desde que entrei para a Marinha, era servir na África”, diz.
Lá foi conselheira de gênero, que entre as atividades verifica se todos os países que colaboram com tropas estão respeitando a quantidade de mulheres nas missões de paz, conforme as orientações da Secretaria-Geral da ONU, e se as funções para as quais elas foram destinadas estão sendo observadas. “O cerne da questão de colocar a mulher no campo de países em conflito é que ela possa se aproximar das mulheres e ver o que está acontecendo”, destaca Carla.
A oficial do quadro técnico da Marinha composto por oficiais concursados provenientes de universidades, no caso dela com formação em jornalismo, serve atualmente no Departamento de Doutrina, do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais.
É com essa experiência que Carla Daniel vai ser palestrante no 12° Curso de Operações de Paz para Mulheres promovido pela Marinha em parceria com a ONU no Rio de Janeiro. A comandante destaca que, para participar de um curso como esse, antes era preciso se inscrever no exterior porque não havia capacitação no Brasil. Ela, por exemplo, precisou ir para Pretória, na África do Sul, para fazer o curso.
Minustah
Outra palestrante do curso que vai passar adiante a sua experiência é a capitão-tenente Débora Ferreira de Freitas Sabino. Quando iniciou a capacitação, não havia ainda o curso na Marinha e, por isso, ela fez um equivalente no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) do Exército. Depois de uma seleção, integrou o 25º contingente entre os 26 que participaram da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) 2016/2017.
Débora contou à Agência Brasil que a busca por experiência, ser um capacete azul como são chamados todos que participam de missões de paz da ONU e a representatividade feminina foram os motivos que a levaram para ser voluntária da Minustah, permanecendo na função por seis meses. Naquele período, a presença de mulheres nas missões de paz era menor. “A oportunidade apareceu e eu não poderia deixar para trás essa chance.”