O mês de fevereiro, com o carnaval e menos dias, registrou 11 disputas armadas entre facções de milícias e tráfico no Grande Rio, sendo que quatro delas ocorreram em Campinho, bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. O dado consta do relatório mensal divulgado pelo Instituto Fogo Cruzado.
No bairro de Campinho, na Avenida Ernani Cardoso, denominada Nova Intendente, aconteceram os desfiles das divisões de acesso do carnaval carioca. A região está há mais de seis meses em disputa entre traficantes e milicianos, especialmente no Morro do Fubá. O Instituto Fogo Cruzado aponta que mesmo com mortes, nenhuma medida foi tomada para garantir a vida da população local, e que crianças e adolescentes foram proibidos pela Justiça de desfilar nas agremiações devido ao risco de balas perdidas. As escolas de samba União de Vaz Lobo e Urubu Samba, inclusive, desistiram de desfilar por causa de tiroteios nos arredores da Nova Intendente.
O relatório aponta que outro caso grave de violência armada marcou o carnaval, dessa vez em Magé, na Baixada Fluminense. No dia 19, uma briga entre um miliciano e um policial civil terminou em tiroteio, resultando em duas pessoas mortas, incluindo uma menina de 9 anos de idade, e 19 feridas, sendo uma mulher grávida, duas crianças e um adolescente.
Desigualdade
Para o coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro, Carlos Nhanga, impedir escolas de samba de desfilar em razão de tiroteios mostra como a violência armada aumenta a desigualdade de uma cidade, uma vez que parte da população tem mais direitos garantidos do que aqueles que vivem nas áreas mais afetadas. Ele disse que, em dia de tiroteio, muitas pessoas não conseguem sair de casa para trabalhar, há interrupção no transporte público e escolas e clínicas fecham. “O poder público não pode tratar isso como normal”, disse o coordenador, no relatório.
Segundo Nhanga, os dados apurados são importantes para o planejamento de políticas públicas que sejam eficazes para trazer segurança à população. O Instituto Fogo Cruzado conta hoje com um Mapa Histórico dos Grupos Armados, que ajuda a compreender as diferentes dinâmicas da violência armada no Rio de Janeiro.
Com esses dados, é possível saber, por exemplo, que a milícia controla 49,9% das áreas dominadas por grupos armados. Carlos Nhanga acredita que o trabalho do Instituto, feito em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), pode servir de base para que projetos sejam pensados com o objetivo de conter os avanços dos grupos armados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Sem esses dados, avaliou que qualquer operação policial não terá qualquer efeito prático.
A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro não comenta dados não oficiais. Do mesmo modo, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) aponta que a atuação da instituição se baseia no tripé inteligência, investigação e ação e em dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Fevereiro
No mês de fevereiro, ocorreram 243 tiroteios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo o Instituto Fogo Cruzado, revelando queda de 14% nos registros em comparação com o mesmo período do ano passado (282 tiroteios). Do total mapeado, 96 tiroteios (39,5%) aconteceram durante ações ou operações policiais, contra 89 em fevereiro de 2022.
Ao todo, 209 pessoas foram baleadas no Grande Rio em fevereiro, sendo que 90 morreram e 119 ficaram feridas. O número de mortos caiu 6% em comparação a fevereiro do ano passado, mas houve aumento de 78% na quantidade de feridos. Entre os 209 baleados, 127 (61%) foram atingidos durante ações ou operações policiais: 43 deles morreram e 84 ficaram feridos. Em fevereiro de 2022, dos 163 baleados, 96 (59%) foram atingidos durante ações ou operações policiais, resultando em 48 mortos e 48 feridos.
Em comparação com janeiro, que acumulou 296 tiroteios, 81 mortos e 84 feridos, fevereiro teve queda de 18% dos tiroteios, embora com aumento de 11% nos mortos e de 42% nos feridos.